Thomas, Priscila e Marcos Vinícius. Esses três amigos costumavam viajar juntos para a praia. O destino, geralmente, era o Guarujá, no litoral paulista. Apesar do pouco tempo que se conheciam – pouco mais de um ano – tinham já desenvolvido uma forte relação de cumplicidade. Era como se cada um deles já tivesse se tornando membro permanente da família um do outro. O curso de Jornalismo ainda nem chegara a sua primeira metade, mas já se mostrava um ambiente bastante rico em termos de relacionamentos afetivos. E prometia ainda mais, pois todo um conjunto de disciplinas, reportagens, trabalhos, festas e viagens estava à espera daquele pequeno grupo entusiasmado de jovens estudantes. Sem dúvida nenhuma, os laços que os uniam teriam se estreitado com o passar do tempo. Porém, um grave incidente encerraria, de forma brusca, aquela amizade.
Parte I - Estrada
No dia 29 de agosto de 2004, por volta das 16h30, após um final de semana com outros colegas da faculdade na praia do Guarujá, Thomas, Priscila e Marcos Vinicius retornavam à metrópole, descansados e muito relaxados, prontos para enfrentarem a semana exaustiva. Nada melhor para equilibrar os nervos do que um rápido e estimulante passeio nas bordas do continente. Na subida da serra, na Rodovia dos Imigrantes, porém, a história mudaria seu rumo. Tudo começou com um raspão no retrovisor de um outro carro no Gol prata de Thomas. Como se quisesse tirar alguma satisfação, mais uma vez, o outro veículo – um Tempra, insulfilmado – grudou no carro de Thomas até haver um choque sério, no qual o vidro traseiro direito estilhaçou-se. Priscila, que estava no banco traseiro, não entendeu bem o que estava acontecendo. Por sorte, não se feriu com os pedaços de vidros arremessados. O susto, infelizmente, era pouco para o pesadelo que estava por vir.
Mais à frente, Clécio Barbosa Ayres – motorista do Tempra, policial militar havia cinco anos – ultrapassou Thommy e forçou, com uma forte brecada diante dele, a parada do carro. No momento da ultrapassagem, quando eles saiam do túnel, Clécio colocou uma arma para fora do veículo e deu um tiro para o alto como forma de intimidação. Sem ter por onde escapar, Thomas viu-se obrigado a parar no acostamento. E parou. Dali a poucos instantes, já não poderia mais seguir em frente.
Clécio, de shorts e sem camiseta, desceu do carro e foi em direção ao Gol prata dos jovens. Com a arma em punho, aproximava-se ameaçadoramente. Thomas já suplicava: "Calma! Calma! Calma!". Soltando o volante, as mãos espalmadas acompanhavam, fielmente, suas palavras. Não percebendo nenhum sinal amistoso por parte de Clécio, Thomas tentou engatar à ré, mas não conseguiu. Colocou, então, a primeira marcha. Olhou para trás para se assegurar de que não vinha nenhum carro . Antes de poder acelerar e escapar daquele desconhecido armado com uma pistola .40, a viagem acabara para Thomas . Um tiro certeiro atingiu a nuca de Thomas Schwarzenberg, 20 anos de idade, estudante de Jornalismo do Mackenzie que, naquele mesmo dia, um pouco mais cedo, tinha oferecido seus bilhetes de ônibus aos amigos, pois, segundo ele, não precisaria mais usá-los.
O carro de Thomas saiu, então, desgovernado até bater no carro de Clécio, parado um pouco mais à frente e que era ocupado, além do motorista, por um amigo, Daniel, e duas acompanhantes, Simone e Michelle. O policial pediu que Priscila e Marcos Vinícius descessem do Gol e encostassem na mureta. Enquanto isso, o próprio Clécio ligava para a polícia, enquanto Daniel foi até o carro de Thomas e urinou sobre o pneu.
Pouco tempo depois, a polícia chegou, seguida pelo Resgate. Clécio foi preso em flagrante. No hospital, aconteceu o primeiro encontro entre os amigos de Thomas e seus familiares. Neste momento, a mãe da vítima, Cynthia Marlene Schwarzenberg, abraçou fortemente Priscila como se buscasse, ali, os últimos momentos de vida de seu filho.
Quando já estavam na delegacia, todos no mesmo salão, Clécio andava de um lado ao outro, sem algemas, fazendo ligações de celular com uma tranqüilidade para aquela situação. A impressão que se tinha é que, mais uma vez, Clécio contava com a impunidade, afinal de contas, estava com a Carteira de Habilitação vencida e com o licenciamento do carro irregular e parecia não se preocupar com tais inconvenientes. Somente após a chegada da Imprensa, levaram-no para uma sala isolada. O resto da noite é previsível. Junto com ligações para familiares e depoimentos à polícia, muita dor e revolta, choque e incredulidade. A única coisa que se sabia, naquele momento, é que as marcas daquela tragédia demorariam muito para cicatrizar e que, por mais pesadas que fossem para carregar, elas seriam indeléveis.
Esse é a primeira de três partes que compõe a matéria especial Crônicas de um crime, elaborada originalmente para integrar o jornal interno Diretriz da Universidade Mackenzie.