Wednesday, February 21, 2007

De repente, moça flor.

Passava as pontas dos dedos em cada grade cinza dos prédios, no compasso do andar. Assistia ao suicídio altruísta das flores, que se jogam da árvore e acabam como presente para cabelo de meninas, e lembrei dela. Lembrei feliz dela feliz, lembrei do beijo feliz que sempre me dá com a ponta dos lábios e de como é triste quando corre pra casa. De cócoras apreciava as gotas d'agua que polvilhavam as pétalas da flor branca e amarela, e resolvi ali que seria pro cabelo da minha menina. A flor se fez alegre e sorriu pelo seu destino.

Wednesday, February 14, 2007

Cúmplice.


Assistiu do sofá o iminente desfecho. Queria dizer lhe dizer que se ele fosse embora morreria, mas faltou substância pra passar no nó da glote. Enquanto ele selecionava minuciosamente os cds que levaria, preferia olhar sem estar ali, estava presa em lembranças. Deixou os Chicos e os Piazzollas que ela tanto gostava, levou os Tom Zés e os Los Hermanos e se esqueceu de Miles Davis e Edith Piaf. Ela fez questão de lembrá-lo de Egberto Gismonti, a dança daquelas cabeças fazia queimar os nervos e dilacerar os músculos sem ele.

Pegou seus quadros e deixou os vinhos, compraría-os em qualquer lugar de qualquer dia. Se portava como em uma grande liquidação, onde o custo das coisas que selecionava eram pedacinhos do seu eu.

O adeus foi breve e triste, mas caloroso, como em qualquer outra vez em que saiu de casa pra voltar. O espetáculo trágico de única apresentação deixou o autor/ator satisfeito e, no mesmo momento que descia as escadas, a platéia sucumbira a derreter em prantos até ser absorvida pelo vermelho do sofá.