Friday, December 18, 2009

Caminho nenhum de certeiro rumo.


Andou por muitas quadras desconhecidas antes de deslumbrar algum objetivo. Temia os pormenores, mas os raios de sol nas janelas dos carros e das casas e dos olhos o faziam confiante, apenas pelo conflito luminoso. Correu, trotou lentamente e sentou-se, antes de pedir um café. Olhou com entusiasmo os caminhos que se configuravam.


As panelas, junto com conchas, colheres e facas, estavam penduradas pelas paredes. Somavam-se ao entorno estantes de garrafas de cerveja, fósforos, carvão, miudezas e tranqueiras, embaixo do baleiro. Pediu no pequeno e antigo bar uma cerveja.


- A mais gelada!, bradou antes de perceber qualquer situação exterior.


Tremoços e caroços ficaram no prato junto ao guardanapo amassado. As garrafas jaziam. A sanidade não sabia, mas sabia que sabia suas diretrizes. Anotou no velho pedaço de papel de pão: "Amanhã vai ser maior".


Do flerte, já consumia as estruturas e intenções. Como mordida de aranha, incharavam-se os nervos e parte do braço. Chegava a se perder no tempo, no clique do relógio, no barulho dos pneus de carros e no silêncio. Algo tamanho, que o fazia lidar com a paranóia da coexistência.


A saia rodada, preta e branca, dançava no vento de fora do corpo parado. A chuva caia forte, e ele, sentado, já não respirava. Doía, como dói o percorrer do quente do veneno por baixo da pele. Mas era bom. Insegurança que o anestesiava.


Olhou-a dormir, muito tempo depois. Depois de dança, de papo, de entrega, de sinestesia e de megalomania. Acendeu um cigarro pra ver o balé dos pés dançantes que dormiam. Sentiu os afagos, as jogadas de xadrez, as perspectivas e as distâncias.


Num sonho de labirinto, o ônibus de volta pareceu vazio. Sem ela ou ninguém. Não se lembrava de trajeto algum. Só de fragmentos. Que, de bons que pareciam, levaram-no a cozinha. Uma panela de água quente, um pouco de pó no filtro, uma xícara. Mas sem açucar no café.

Tuesday, September 08, 2009

Quintal de Corumbá.


Começou a lavar apática a louça do almoço de domingo. O sol batia nas águas do rio Paraguai, passava furtivo por porta e janelas abertas e explodia na parede, na geladeira e nas costas do seu vestido branco decotado. Subia pelas morenas coxas grossas, que suavam com o calor.

As panelas velhas ainda cheiravam ao caldo das piranhas, pescadas ali, na imensidão de água em que terminava o quintal. Enconstada na pia que molhava o ventre, sentia o calor do caldo enrijecer os seios e ensopar a calcinha. Passou as mãos cheias de sabão pelos cabelos e nuca. Uma das mãos afundou no decote. A outra apoiou-se na prateleira para sentar de pernas abertas e esfregar-se na quina do fogão. Gritou e gozou sem cerimônias.

Mais do que as cebolas que faziam chorar ou a palha de aço que cortava a mão, o que lhe doía era tanta piranha que sobrara. E como ainda haveriam de encher as prateleiras e gavetas da geladeira. Só pra si.

Lavou a jarra de suco, o prato, tábua e talheres. Cortou por acidente a ponta do dedo indicador com a peixeira. Ficou o olhar fascinado nas gotas de sangue que saiam por ele. Fez um corte superficial nos braços pra cada nova aventura ou amor ou paixão ou cagada que soube da vida do marido que perdeu pra vida.

Gotejava, como que de seu corpo corressem lágrimas. Abdicou do pano de prato e limpou os braços no vestido. Encostou-se à porta a olhar o quintal. Sorriu e caminhou em direção a água. Molhou os pés e arrepiou-se até a cabeça com a água gelada.

Entrou no rio devagar. O vestido molhou a passos lentos, turvando a água de sabor de sangue. Num leve movimento, ficou de costas e passou a boiar a mercê das mares. Sorriu até o último pedaço de lábio ser devorado pelas piranhas.

Wednesday, August 19, 2009

Café matutino sem açucar.

Quebraste uma
...........................estrofe.
Trincaste um
.......................verso.
Molhaste o
................... pão.

Monday, July 20, 2009

Desde maio.

Caiu em desuso há um bom tempo escrever em máquinas de escrever. Pela coerência com os tempos modernos. Apenas ele insistia. Todos os dias de manhã, assim que acordava, escrevia nela, mesmo que coisa sem sentido, mesmo que coisa breve. Apenas por tocá-la.

Sentia prazer em tocá-la. Mesmo que noutro tempo, mesmo que noutro espaço. Ao bater seus dedos, o cenário trocava: era tempo de seu tempo, tempo de ser tempo, tempo de ter tempo de escrever sua história. Só dependia do tempo que levaria para bater os dedos.

A história que escreveu continuou sem que fosse preciso tocar a máquina, sem que fosse preciso ver. Limpou as engrenagens, trocou a fita de tinta e empilhou um novo calhamaço de papel. A máquina hoje se escreve, ao ponto que ele não se toca mais.

Monday, May 11, 2009

Roteiro do não ser (parte 3. final)


Antes de ir ao teatro, fui assistir uma peça. Num teatro próximo, os ingressos estavam esgotados. Vim pra cá só dar uma passada, ao ponto que a peça fica mais séria.

Você enfia a cabeça pra fora das cortinas vermelhas e diz ao público:
- Venham todos ver a maior marionete do mundo.

As cortinas se abrem.

Você está maquiada e vestida de colombina. No centro do palco está Eu, vestido de Pierrot. De camiseta regada e mãos amarradas, tem no seu ventre as tripas expostas.

Eu diz:
- Chamou seu público?

Você:
- Veja!
E aponta para o teatro vazio antes de continuar.
- Estão todos a nos olhar.

Eu:
- Que palhaçada.

Você gargalha.
- Estamos vestido a caráter pra ocasião!

Eu solta as mãos e desmancha a maquiagem.
- Para com isso!

Você:
- Pensei que gostasse de me ver feliz.

Eu:
- Gosto Não a custa de minhas entranhas.

Você:
- Nunca gostou de me fazer feliz com elas, não é verdade?
Eu:
- O que quer de mim? Anda a me colorir, a me fazer gracejo ao mesmo tempo que nega um nós.

Nós retruca:
- Estou aqui.

Eu:
-Vá a merda, narrador irreal. Não existe nós. Suma de vez porra!

Você:
- Sempre odiei suas grosserias.

Eu:
- Mas adora fazer primavera das minhas entranhas! O que quer perto de mim? Me vejo ai dentro, querendo tomar conta de você. E me amordaças numa cadeira!

Você:
- Você fala demais!

Eu:
- Ande, diga! O que quer? Não sei o que vejo. Se tenho as chaves dos teus baús nas minhas mãos ou se me mostra pra dizer que elas não servem mais.

Você:
- É complicado.

Eu:
- Ora, vá a merda.

Você fica séria. Vai pra frente do espelho e começa a se arrumar.

Eu, tirando o resto de maquiagem do rosto, diz:
- Porque está se arrumando? Vai aonde?

Você:
- Tenho um encontro. É um bom rapaz. Advogado. Sério. Não tem essa sua bipolaridade.

Eu:
- Você está apaixonada por ele?

Você:
- Ainda não.

Eu:
-Ainda?

Você:
- É um rapaz interessante. Vamos a uma festa a fantasia. Ele é seu Arlequim de hoje.

Eu:
- Porque não me deixa sair dai de dentro e o coloca no meu lugar?

Você:
- Gosto de levá-lo pra passear. Você nunca sai dessa cabeça...

Minha tosse encerra a cena. Bebo um pouco de café.

Levanto da cadeira e vejo o teatro, cheio de Eus a ecoar "Você nunca sai dessa cabeça..."

Alguns Eus confabulam. Outros gargalham e saem pra beber uma cerveja. Em pouco tempo todos vão embora.

Arrumo o cartaz do show do La Carne no Teatro. É semana que vem. A

Acendo outro cigarro antes de fechar as portas. Acaba de amanhacer por entre prédios.

Saturday, May 09, 2009

Roteiro do não ser (parte 2)

Abreem-se as cortinas:

Eu e Você estão nus na dormindo na cama abraçados. Você levanta e se veste lentamente. Por fim, coloca o vinil de Chico Buarque pra tocar e sai sem que Eu perceba.

Da platéia, uma lágrima corre em meu rosto.

O acaso entra pela janela e acorda Eu com a chuva. Eu se levanta, fecha a janela e senta na cama aturdido.

Nós:
- Cada vez que nos perdemos foi sincera e necessária. A menor das fissuras que causamos a nós deixou escapar as nossas consciências o quanto nos precisamos.

Eu bebe o conhaque e acende um cigarro. A cena escurece lentamente enquanto o vinil ainda toca abafado pelo barulho da chuva.

A luz volta com Você ensopada de chuva.
Diz:
- Eu voltei pra ti.

Eu, bêbado no sofá, retruca:
- Mentira. Você volta pra me assombrar, não és real. Já entrou por essa porta, pela janela e pelo teto mais de cem vezes num só dia.

Você:
- O que estás dizendo se bêbado tolo? Voltei pra ti porque te amo. Porque voltei a crer em nós. Vem cá pra mim.

Eu:
- Se afasta mentirosa.

Enfurecido, pega a arma na gaveta e atira em Você, que cai no meio da cena. Eu senta em choque ao lado do corpo. O barulho de chuva aumenta. E a cena torna a escurecer.

A luz volta.

Eu e Você, cheia de sangue, estão abraçados no sofá. Eu está confuso.
- Você, não me deixará nunca não é mesmo?


Você responde risonha:
- Você é quem sabe disso. Estou aqui, em cada vão de seus pensamentos, em todo vazio de sua cabeça porque você a esvazia para mim. Você não me deixa ir.

- Já te joguei pra fora de minha cabeça pelas orelhas, - responde Eu - Ja te dei cordas pra se enforcar. E o que você fez? Redes e rendas por toda a minha mente!

Você suspira. E diz:
- Que mal há em deixar tua cabeça mais bonita?

Eu grita.
- Inferno!

E desata em tristeza.
Você levanta, coloca o vinil de Astor Piazzolla, Adios Nonino. Volta ao sofá e toma Eu em seus braços a consolá-lo.

Assisto do Teatro vazio. Olho para as outras cadeiras enquanto as cortinas se fecham.

Friday, May 08, 2009

Roteiro do não ser.

Não é um conto. Não é um cheque mate, não é um peão sendo comido pela rainha nem o rei derrubando uma torre.

É uma peça de teatro.

E estou sozinho assistindo da platéia.

Cortinas vermelhas fechadas. Entra a voz de Nós, o narrador:
- Eu te dizia por muito tempo que só existiria nós dois quandoexistisse um eu e um você. E agora que eles existem, assisto aosensaios do que poderiamos ou podemos ser juntos sozinho no teatro.

Abrem as cortinas. Eu acendo um cigarro e tomo mais café.Sou diretor de arte, que colori cenários, seleciona as mesas, o menu eas garrafas de vinhos, os lençóis. Sou o roteirista e sou o diretor.

Quem senta ali no palco contigo não sou eu, mas um eu que junto comvocê faz um nós.

Estamos na mesa de jantar.

Eu no palco digo:

- Não tentar denovo me parece um grande erro atemporal. É a históriado você só me fez mudar, mas depois mudou de mim. E vale para aperspectiva de ambos. Não há julgamento de momentos ou conversas com oacaso de “seria esse o tempo pra isso acontecer?". É um estado deespírito, que não impede a vida plena e não trás a morte.

Você diz:

- É complicado.

Nós diz:

- E não pensaram mais nisso juntos. Os pensamentos percorrem ascabeças e morrem em suas próprias paredes, que nunca dividiram.

Comemos. Nos olhamos e sorrimos.

Sobe a música e o roteiro empaca. Não existem tantas falas possiveis,salvo alguns clichês de convivência.

Troca o cenário.Um dia numa praça do relógio ao sol é o que acontece. Apenas diversões. Nos namoramos.

Nós:

- Nós namoramos por muito tempo, mas poucos nos namoramos como fizemospor lá. Não havia calma em nós.

O cenário corre. Volta a sala e estamos vendo um filme.

Alguém bate na porta. É o acaso.

Ele diz:

- Não ter quem mais se ama é estar sentando na estação de trem epensar no caminho que se fez pra chegar até ela, em cada estaçãopercorrida, e saber que o trem já passou. Cada trem novo enche aplataforma, expectativas, desastres, amores e rancores, mas não é omesmo trem.

Você sai de cena.

A vida de solteiro se enche de amores, cigarros e orgias. Existem festas e um grande fluxo de pessoas. Existem trabalhos. Existemcrianças e troca recíproca de sentimentos.
E depois um vazio.

Volta o acaso:

- Não há espaço no roteiro para a matemática do improvavél. Ela sóacontece quando catalizada. Quando se deixa transparecer informações.

Levanto do sofá e digo:

- Quero que saibas: te entendi por esse tempo muito mais do que imagina. Não entro nas mazelas que diz que sabe. Seria sadomasoquismo. Acredito num nós que não sei se é real. Mas ele anda me cercando, me tocando. Elucida que pode existir nessa inexistência.

Um barulho grande. Um grito agudo.

Eu digo:
- Limpar minha consciência de que? Não há ferida que não sejacicatrizada. Ancorar no passado não se deixa viver o presente e faztemer-se o futuro. Se o caminho que percorremos nos trás até aqui, semmedo ou vergonha do que se passou, é com isso que temos de trabalhar.Não há perfeição sem que se parte imperfeição. E disso contruo todaminha vida, não se sinta especial.

Fecha cortina.Um choro.

Abre a cortina e o choro é seu.

Limpa as lágrimas. Diz :

- Hoje tenho um encontro comigo. Vou levar-me a passear pelo mundo.

Sai pela porta lateral. Quem volta sou eu.

- Meu passeio foi bom.

Sento no computador a matutar um texto com um fato real:

"Depois que colocou as mãos no pequeno pé de manjericão da minhahorta, ele renasceu com grandes folhas, grandes demais pro seu pequeno tamanho."

A cortina fecha ao som de "So What?", Miles Davis, versão do discoCooking with the Miles Davis Quintet, de 1957.

Friday, May 01, 2009

Obedeça o papai.


O aviso pendurado na parede era bem claro:

"Não mexer nos cutelos"

Mas elas não ouviram. Subiram na pia, abriram o armário e junto deles, mexeram nas facas de peixe e nas de corte mais afiado. Separaram a comida do cachorro, deram de beber as plantas e então, plenamente satisfeitas do não haver mais responsabilidades, deliciaram-se a enteder as facas espalhadas pelo chão.

Quando a menor deixou cair o cutelo nos dedos da garotinha de 7 anos, foram três os dedos que se partiram. Três também foram os gritos de susto que deram antes de cair em gargalhadas. No auge dos seus cinco anos, abaixada recolhendo dedos da irmã e enxugando o sangue, perdeu seu braço pra uma vingança divertida.

As risadas eram ouvidas do jardim. Qualquer que se aproximasse veria no inconsciente duas garotas a se divertir com bonecas.

Wednesday, April 29, 2009

Tempos em tempo.

Te queria de volta dos quartos obscuros que você se trancou com minhas chaves.
Deixei as lamparinas de meu eu em cada porta, cheias de óleo de minhas apêndices.
Ao que tudo indica, não são tão bons pra manter fogo acesso.
Devia ter deixado óleos de meus rins.

Assim quando saísse, teria por onde acreditar nas minhas veias.
Escolheria um caminho que lhe fosse ameno e aprazível até o sofá.
Eu te faria um chá.
Escolheria a dedo bolachas inteiras pra que não soasse despeito.
Manteiga ou geléia?
Talvez você não pulasse a janela pra sair pela minha orelha esquerda.

Friday, April 17, 2009

Erva daninha.

Cutucava bem acima do mamilo. Era uma coceira recorrente e ácida. Inflamou em poucos dias; uma bola de pus (como uma grande espinha) com um ponto preto no meio. Na frente do espelho, tirou a camiseta e passou gelo no local. Expremeu firme, até que o pus jorra-se no espelho. Do ponto preto saiu um frio fio grosso de arame.

Envolveu a camiseta na mão e puxou lentamente; não por falta de força, mas cada centímetro fora e as farpas do arame dilaceravam um pouco mais sua carne. Vencido, amarrou o fio nas grades na janela e deixou o corpo cair.

Depois de tempo pendurado pelo peito, enfim a carne se rasgou. Na face, não sobrou traço inteiro; pouco sobraria do corpo quando tirado algo enraizado com tamanha profundidade e afinco.

Arrastou-se em meio ao sangue no chão do quintal do sobrado e olhou para o que paradoxalmente lhe sustentava e causava dor. Pendurada na janela, a silhueta da menina em arame farpado ainda sorria.

Friday, April 10, 2009

Roteiro do não dito.


O chá de boldo amargava as xícaras quando Ana resolveu abrir as janelas. O pouco de sol não resolveu enquanto houveram nuvens, densas e frias.

Aos cães, sobravam as sinfonias da lua cheia. A noite forasteira e repentina mal deixou a polenta e o arroz ficarem prontos. Das velas e pequenas lâmpadas (dos abajures dos cantos da sala), luzes coloriam as retinas. Corujas piavam quando Roberto chegou.

[...]

Cauterizados pelo gosto do vinho, alguém discordou da salada de rúcula enquanto o fogo já consumia as cadeiras, mesas e a prateleira das louças.

- As cebolas são o problema. Ou talvez os alhos e o limão, não sei ao certo.
- Talvez seja melhor fazer peixe.
- Com fome ainda?
- Sinto muita fome pela manhã.

[...]
De tolhas sentados na cama, fumando cigarros fedidos e cheirando vinho, surgiu a discórdia quanto ao tempo dos lados dos vinis.

- Cansei de Billie Holiday. Um lado de Guizado?
- Um lado do seu melhor vinho garçom.
- A senhorita dança muito bem para uma polaca.
- São estímulos mútuos, senhorito.

[...]

- Não tocou na quínua e nos pães, nem no leite.
- Enchi as garrafas e peguei os bilhetes. Tomemos um sorvete?
- De framboesa e limão?
- De laranja com fotografias.

[...]

Pensou pra si:
- O que fazer com as corujas?
- Quer café?

Saturday, February 07, 2009

Ruptura.




A chuva caiu densa e inusitada. Inusitada não, porque já chove há muito tempo em São Paulo, muito em muito pouco tempo, pra depois vir o sol. Chover dessa maneira desencoraja muita gente a sair de casa.

Tanta chuva trás seus prejuízos. Aos poucos, a água foi enchendo a calha (que confesso não limpar há muito tempo) de folhas e sujeiras outras que encontrava pelo meu telhado. O acúmulo formou uma piscina em certo trecho, que não consegue escorrer pelo cano até o quintal: forma-se uma grossa cachoeira, acima da janela da cozinha, impossibilitando qualquer tentativa de refrescar-se com o vento (além da chuva, faz sempre um calor infernal).

Assistia a chuva pela porta de vidro da sala de jantar. Quando percebi, a cachoeira já inundava o vaso. A pequena planta, ora imponente e altiva com suas flores roxas, jazia vencida pela força das águas barulhentas. Corri, mas não ao ponto de salvá-la. Enterrei-a junto com o vaso no canteiro externo da casa, onde sempre enterro minhas coisas, e voltei a fazer o café.