Não é um conto. Não é um cheque mate, não é um peão sendo comido pela rainha nem o rei derrubando uma torre.
É uma peça de teatro.
E estou sozinho assistindo da platéia.
Cortinas vermelhas fechadas. Entra a voz de Nós, o narrador:
- Eu te dizia por muito tempo que só existiria nós dois quandoexistisse um eu e um você. E agora que eles existem, assisto aosensaios do que poderiamos ou podemos ser juntos sozinho no teatro.
- Eu te dizia por muito tempo que só existiria nós dois quandoexistisse um eu e um você. E agora que eles existem, assisto aosensaios do que poderiamos ou podemos ser juntos sozinho no teatro.
Abrem as cortinas. Eu acendo um cigarro e tomo mais café.Sou diretor de arte, que colori cenários, seleciona as mesas, o menu eas garrafas de vinhos, os lençóis. Sou o roteirista e sou o diretor.
Quem senta ali no palco contigo não sou eu, mas um eu que junto comvocê faz um nós.
Estamos na mesa de jantar.
Eu no palco digo:
- Não tentar denovo me parece um grande erro atemporal. É a históriado você só me fez mudar, mas depois mudou de mim. E vale para aperspectiva de ambos. Não há julgamento de momentos ou conversas com oacaso de “seria esse o tempo pra isso acontecer?". É um estado deespírito, que não impede a vida plena e não trás a morte.
Você diz:
- É complicado.
Nós diz:
- E não pensaram mais nisso juntos. Os pensamentos percorrem ascabeças e morrem em suas próprias paredes, que nunca dividiram.
Comemos. Nos olhamos e sorrimos.
Sobe a música e o roteiro empaca. Não existem tantas falas possiveis,salvo alguns clichês de convivência.
Troca o cenário.Um dia numa praça do relógio ao sol é o que acontece. Apenas diversões. Nos namoramos.
Nós:
- Nós namoramos por muito tempo, mas poucos nos namoramos como fizemospor lá. Não havia calma em nós.
O cenário corre. Volta a sala e estamos vendo um filme.
Alguém bate na porta. É o acaso.
Ele diz:
- Não ter quem mais se ama é estar sentando na estação de trem epensar no caminho que se fez pra chegar até ela, em cada estaçãopercorrida, e saber que o trem já passou. Cada trem novo enche aplataforma, expectativas, desastres, amores e rancores, mas não é omesmo trem.
Você sai de cena.
A vida de solteiro se enche de amores, cigarros e orgias. Existem festas e um grande fluxo de pessoas. Existem trabalhos. Existemcrianças e troca recíproca de sentimentos.
E depois um vazio.
E depois um vazio.
Volta o acaso:
- Não há espaço no roteiro para a matemática do improvavél. Ela sóacontece quando catalizada. Quando se deixa transparecer informações.
Levanto do sofá e digo:
- Quero que saibas: te entendi por esse tempo muito mais do que imagina. Não entro nas mazelas que diz que sabe. Seria sadomasoquismo. Acredito num nós que não sei se é real. Mas ele anda me cercando, me tocando. Elucida que pode existir nessa inexistência.
Um barulho grande. Um grito agudo.
Eu digo:
- Limpar minha consciência de que? Não há ferida que não sejacicatrizada. Ancorar no passado não se deixa viver o presente e faztemer-se o futuro. Se o caminho que percorremos nos trás até aqui, semmedo ou vergonha do que se passou, é com isso que temos de trabalhar.Não há perfeição sem que se parte imperfeição. E disso contruo todaminha vida, não se sinta especial.
- Limpar minha consciência de que? Não há ferida que não sejacicatrizada. Ancorar no passado não se deixa viver o presente e faztemer-se o futuro. Se o caminho que percorremos nos trás até aqui, semmedo ou vergonha do que se passou, é com isso que temos de trabalhar.Não há perfeição sem que se parte imperfeição. E disso contruo todaminha vida, não se sinta especial.
Fecha cortina.Um choro.
Abre a cortina e o choro é seu.
Limpa as lágrimas. Diz :
- Hoje tenho um encontro comigo. Vou levar-me a passear pelo mundo.
Sai pela porta lateral. Quem volta sou eu.
- Meu passeio foi bom.
Sento no computador a matutar um texto com um fato real:
"Depois que colocou as mãos no pequeno pé de manjericão da minhahorta, ele renasceu com grandes folhas, grandes demais pro seu pequeno tamanho."
A cortina fecha ao som de "So What?", Miles Davis, versão do discoCooking with the Miles Davis Quintet, de 1957.
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