Saturday, May 09, 2009

Roteiro do não ser (parte 2)

Abreem-se as cortinas:

Eu e Você estão nus na dormindo na cama abraçados. Você levanta e se veste lentamente. Por fim, coloca o vinil de Chico Buarque pra tocar e sai sem que Eu perceba.

Da platéia, uma lágrima corre em meu rosto.

O acaso entra pela janela e acorda Eu com a chuva. Eu se levanta, fecha a janela e senta na cama aturdido.

Nós:
- Cada vez que nos perdemos foi sincera e necessária. A menor das fissuras que causamos a nós deixou escapar as nossas consciências o quanto nos precisamos.

Eu bebe o conhaque e acende um cigarro. A cena escurece lentamente enquanto o vinil ainda toca abafado pelo barulho da chuva.

A luz volta com Você ensopada de chuva.
Diz:
- Eu voltei pra ti.

Eu, bêbado no sofá, retruca:
- Mentira. Você volta pra me assombrar, não és real. Já entrou por essa porta, pela janela e pelo teto mais de cem vezes num só dia.

Você:
- O que estás dizendo se bêbado tolo? Voltei pra ti porque te amo. Porque voltei a crer em nós. Vem cá pra mim.

Eu:
- Se afasta mentirosa.

Enfurecido, pega a arma na gaveta e atira em Você, que cai no meio da cena. Eu senta em choque ao lado do corpo. O barulho de chuva aumenta. E a cena torna a escurecer.

A luz volta.

Eu e Você, cheia de sangue, estão abraçados no sofá. Eu está confuso.
- Você, não me deixará nunca não é mesmo?


Você responde risonha:
- Você é quem sabe disso. Estou aqui, em cada vão de seus pensamentos, em todo vazio de sua cabeça porque você a esvazia para mim. Você não me deixa ir.

- Já te joguei pra fora de minha cabeça pelas orelhas, - responde Eu - Ja te dei cordas pra se enforcar. E o que você fez? Redes e rendas por toda a minha mente!

Você suspira. E diz:
- Que mal há em deixar tua cabeça mais bonita?

Eu grita.
- Inferno!

E desata em tristeza.
Você levanta, coloca o vinil de Astor Piazzolla, Adios Nonino. Volta ao sofá e toma Eu em seus braços a consolá-lo.

Assisto do Teatro vazio. Olho para as outras cadeiras enquanto as cortinas se fecham.

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