Foi com os olhos pretos até o espelho do banheiro antes mesmo de supervisionar o trabalho das mãos ao colocar a pasta de dentes na escova vermelha. Não conhecia aquelas cicatrizes vermelhas em seu rosto, quem sabe ainda dormia. Nos movimentos da limpeza frenética dos dentes, perdeu o controle da força e vazou a bochecha com a escova. Merda. Achou estranho não sangrar, e puxou a escova de volta. Pelo buraco, podia ver seus molares pretos.
Passou primeiro um, depois logo três dedos. Foi rasgando aos poucos a carne entre o buraco e a boca, e logo abriu um largo sorriso permanente do lado direito. Pegou a gilete vermelha do copo preto e com movimentos precisos cortou o excesso de carne pendurada em cima e embaixo. Ficou feio e estéticamente desequilibrado. Assim, cortou fora os lábios e a outra bochecha também, deixando todos os dentes a mostra.
Já não fazia mais sentido ter a cartilagem do nariz, nem as bolsas de pele embaixo dos olhos. Lentamente, percorreu a gilete vermelha por toda a face, deleitando-se com os pedaços de carne que caiam na pia. Quando nem orelhas nem cabelo ou qualquer músculo lhe restavam na cabeça, a imagem de sua caveira preta vazia parou seu coração de susto. Nunca mais acordou de nenhum outro sonho.
imagem retirada do blog Insónia.