Tuesday, September 08, 2009

Quintal de Corumbá.


Começou a lavar apática a louça do almoço de domingo. O sol batia nas águas do rio Paraguai, passava furtivo por porta e janelas abertas e explodia na parede, na geladeira e nas costas do seu vestido branco decotado. Subia pelas morenas coxas grossas, que suavam com o calor.

As panelas velhas ainda cheiravam ao caldo das piranhas, pescadas ali, na imensidão de água em que terminava o quintal. Enconstada na pia que molhava o ventre, sentia o calor do caldo enrijecer os seios e ensopar a calcinha. Passou as mãos cheias de sabão pelos cabelos e nuca. Uma das mãos afundou no decote. A outra apoiou-se na prateleira para sentar de pernas abertas e esfregar-se na quina do fogão. Gritou e gozou sem cerimônias.

Mais do que as cebolas que faziam chorar ou a palha de aço que cortava a mão, o que lhe doía era tanta piranha que sobrara. E como ainda haveriam de encher as prateleiras e gavetas da geladeira. Só pra si.

Lavou a jarra de suco, o prato, tábua e talheres. Cortou por acidente a ponta do dedo indicador com a peixeira. Ficou o olhar fascinado nas gotas de sangue que saiam por ele. Fez um corte superficial nos braços pra cada nova aventura ou amor ou paixão ou cagada que soube da vida do marido que perdeu pra vida.

Gotejava, como que de seu corpo corressem lágrimas. Abdicou do pano de prato e limpou os braços no vestido. Encostou-se à porta a olhar o quintal. Sorriu e caminhou em direção a água. Molhou os pés e arrepiou-se até a cabeça com a água gelada.

Entrou no rio devagar. O vestido molhou a passos lentos, turvando a água de sabor de sangue. Num leve movimento, ficou de costas e passou a boiar a mercê das mares. Sorriu até o último pedaço de lábio ser devorado pelas piranhas.

3 comments:

Mariana Calil said...

Eu simplesmente AMEI!
Você descreve a cena como ela é com poucas palavras e uma boa dose de sentimento.
Parabéns!

Anonymous said...

Nossa.. fui lá para o quintal de Corumbá..
muito descritivo e poético seu texto..
Deu até para sentir o cheiro dos pratos, o suor das pernas e o molhar das aguas..
bjs

Anonymous said...

Lilian