Quando o sol nasceu, as aspirações desse amanhecer logo se foram. O dia, que já durava algumas horas, correu rápido ao seu meio, o que configurou seu café como almoço. A língua sentia ainda o maturado do amargo gosto da madrugada, e cambaleava na luta entre o cansaço e seu objetivo.
Pairava em frente à porta do andar de cima de seu apartamento. Ensaiava tal discurso à dias em frente a móveis e espelhos, mas precisou de horas além cotidiano pra tomar coragem de dizer. O corredor se fazia temeroso, caminho difícil de percorrer com joelhos trêmulos. Vestia ainda a roupa de ontem, que era hoje e sempre. Só seria amanhã quando conseguisse dizer-lhe tudo que entupia ferrenhamente sua garganta.
Encostou na parede a poucos metros da campainha. Cambaleava a medida em que passava o batido texto em sua cabeça. Era simples sua construção, mas árduo de ser efetivado. Existem coisas que não se dizem assim, mas se o dizesse em outras circunstâncias seria jocosamente humilhado.
A campainha fazia seu mundo girar, e apoiou-se nos calcanhares. Sem cerimônias, se viu deitado no chão abraçado ao estomâgo, como se pudesse conter tudo que havia ingerido nas inúmeras e intermináveis horas que não dormiu. O cozido que o café fez das anfetaminas queimou a garganta antes de percorrer da camiseta ao tapete, preenchendo o chão que os separava. Os urros das convulsões chorosas a fizeram abrir a porta, e em pouco tempo a única coisa que conseguia dizer era suprimida pela sirene da ambulância:
- Me perdoa.