Descia a rua cantarolando música qualquer. Já era fria a madrugada cinza, e quase tropeçou numa garrafa vazia. Deu graças pela sorte de sair ileso e reparou na moça que chorava sentada na calçada. Quis ser gentil.
- Não se chora a essa hora por aqui. Essa hora, tudo é festa ou motivo para tal.
E entregou-lhe a pequena flor que pegou do chão quadras atrás. Só depois viu que uma das pétalas estava pisoteada. A moça nem o olhou. Seu choro já atingia o desespero. Soluçava e gritava ardido. Abaixou e pensou em recitar à ela um poema, mesmo que um ode ao choro.
- Vou lhe dizer algo bonito então.
Respirou fundo, estufou o peito e releu mentalmente o curto poema pra que nada se esquecesse. Enchendo-se de sorrisos, não reparou que a moça colocava com esmero o longo cano na boca. Antes de articular a primeira palavra, espirraram-lhe sangue e míudos pedaços de cérebro. Continuou ali até a chegada da polícia, repetindo o mesmo verso:
- A menina que hoje chora. A menina que hoje chora. A menina que hoje chora.