Antes de ir ao teatro, fui assistir uma peça. Num teatro próximo, os ingressos estavam esgotados. Vim pra cá só dar uma passada, ao ponto que a peça fica mais séria.
Você enfia a cabeça pra fora das cortinas vermelhas e diz ao público:
- Venham todos ver a maior marionete do mundo.
As cortinas se abrem.
Você está maquiada e vestida de colombina. No centro do palco está Eu, vestido de Pierrot. De camiseta regada e mãos amarradas, tem no seu ventre as tripas expostas.
Eu diz:
- Chamou seu público?
Você:
- Veja!
E aponta para o teatro vazio antes de continuar.
- Estão todos a nos olhar.
Eu:
- Que palhaçada.
Você gargalha.
- Estamos vestido a caráter pra ocasião!
Eu solta as mãos e desmancha a maquiagem.
- Para com isso!
Você:
- Pensei que gostasse de me ver feliz.
Eu:
- Gosto Não a custa de minhas entranhas.
Você:
- Nunca gostou de me fazer feliz com elas, não é verdade?
Eu:
- O que quer de mim? Anda a me colorir, a me fazer gracejo ao mesmo tempo que nega um nós.
Nós retruca:
- Estou aqui.
Eu:
-Vá a merda, narrador irreal. Não existe nós. Suma de vez porra!
Você:
- Sempre odiei suas grosserias.
Eu:
- Mas adora fazer primavera das minhas entranhas! O que quer perto de mim? Me vejo ai dentro, querendo tomar conta de você. E me amordaças numa cadeira!
Você:
- Você fala demais!
Eu:
- Ande, diga! O que quer? Não sei o que vejo. Se tenho as chaves dos teus baús nas minhas mãos ou se me mostra pra dizer que elas não servem mais.
Você:
- É complicado.
Eu:
- Ora, vá a merda.
Você fica séria. Vai pra frente do espelho e começa a se arrumar.
Eu, tirando o resto de maquiagem do rosto, diz:
- Porque está se arrumando? Vai aonde?
Você:
- Tenho um encontro. É um bom rapaz. Advogado. Sério. Não tem essa sua bipolaridade.
Eu:
- Você está apaixonada por ele?
Você:
- Ainda não.
Eu:
-Ainda?
Você:
- É um rapaz interessante. Vamos a uma festa a fantasia. Ele é seu Arlequim de hoje.
Eu:
- Porque não me deixa sair dai de dentro e o coloca no meu lugar?
Você:
- Gosto de levá-lo pra passear. Você nunca sai dessa cabeça...
Minha tosse encerra a cena. Bebo um pouco de café.
Levanto da cadeira e vejo o teatro, cheio de Eus a ecoar "Você nunca sai dessa cabeça..."
Alguns Eus confabulam. Outros gargalham e saem pra beber uma cerveja. Em pouco tempo todos vão embora.
Arrumo o cartaz do show do La Carne no Teatro. É semana que vem. A
Acendo outro cigarro antes de fechar as portas. Acaba de amanhacer por entre prédios.
5 comments:
muito bom vei!
manda fuego!
Muita maconha...
o La Carne no final coincidindo semioticamente com a carne das entranhas foi fantástico.
ei, põe o link do Escolha Tudo aê! www.escolhatudo.blogspot.com abraços!!
Um pedaço de inexistência que não deveria ter nascido.
O autor, claro!
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