Foto: Sebastião Salgado
- Qual o nome do senhor?
- Cláudio Tavares.
- Quantos anos?
- 52.
- Grau de escolaridade?
- Segundo Grau completo. (esboça um tímido e orgulhoso sorriso)
- Em caso de emergência, tem pra quem ligar?
- Sim. Ligue pra um amigo. 33614563.
- Já que o senhor já sabe as regras, vou leva-lo a sua cama.
- Obrigado, sei sim. "Não causar problemas". A vida já se encarrega disso.
Feito o cadastro, foi levado ao dormitório. A responsável pelo Albergue Espaço Luz encaminha-o primeiro ao quarto 24, mas a lotação das 5 beliches do cômodo leva-os a subir ao andar superior, onde enfim encontra um leito. Acomoda com carinho a mala com poucas roupas ao lado da cama que será sua essa noite, já o fora de tantos outros, e desce a sala de TV. Cláudio tem família em Franca, boa articulação e vasto vocabulário, mas incomoda-o falar do passado, "traz lembranças dolorosas". Bem vestido e discreto, o senhor negro com fundas marcas de idade no rosto acomoda-se na cadeira de plástico branco e passa a integrar a sala onde tantos outros homens já estiveram. "Da tristeza ver gente como ele aqui", diz uma funcionária.
Pessoas como Cláudio são raras no Espaço Luz., apesar do desgastado prédio marrom de cinco andares em frente a Praça Princesa Isabel ter o costume de receber migrantes sem estrutura na cidade. Mas a maioria das 100 vagas, divididas em 10 cômodos que outrora foram apartamentos, é ocupada por homens em situação de rua. Em rostos amargos sem sonhos, a angústia de não poder chamar um leito de "meu". Um cheiro triste envolve o ar, e o fluxo de pessoas aumenta assim que o sol põe-se a cair. O Espaço Luz, assim como outros 8 albergues, funciona apenas no período noturno, das 16 às 8 horas. Dispõe de aulas de alfabetização, jogos de dominó, refeitório (onde a janta sai pontualmente as 18 horas todos os dias), lavanderia e bagageiro. Há ainda palestras e o incentivo a rodas de conversas. Tem vagas destinadas apenas à homens, visto que correspondem a mais de um terço da população de rua.
O que leva as pessoas a procurar um albergue da prefeitura é tão difuso quanto o perfil dos albergados. Migrantes como Cláudio estão ali de passagem, e, apesar de ser a meta de todos, muitos ficarão ali mais tempo do que o desejado. Dario, 32 anos, viveu alguns anos peregrinando por albergues, até adquirir, por meio da venda da revista OCAS, condições de alugar um apartamento. "A primeira vez que dormi num albergue dei graças a deus. Tomei um banho quente, e pude saciar a fome com pão e café, pude dormir em um colchão. Mas o ambiente é pesado". Brigas surgem de simples esbarrões na filma dos refeitórios, por escassez de paciência e nervos já desgastados. "Ao descer de uma beliche, esbarrei meu pé acidentalmente no rosto do que dormia na cama de baixo. Era um traficante de drogas, saído da cadeia a pouco tempo. Fui embora antes do amanhacer, senti que ele ia me matar. Apesar da revista, matam-se pessoas até com uma caneta" conta Dario.
Enquanto a oportunidade não chega, os albergues continuam a única opção de quem tem de dividir seus sono com tantos outros, sem poder concretizar o sonho de um lugar seu. São quase sete horas, e Cláudio deve arrumar agora sua surrada mala enquanto espera o pão e o café quente, quem sabe a única refeição do seu dia.
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