Naquele dia acordou com 70 anos. Talvez a única coisa que deseja-se, um sorriso sincero do mundo ou mesmo do espelho, estivesse tão distante quanto suas rugas. Sentou-se no banco de todas as manhãs, viu as sombras das folhas dançando no chão como costume e pegou um cigarro. Custou a acende-lo; as folhas que desciam de seus galhos o enfeitiçavam. O que teriam de diferente naquele dia?
Em deboche, a caixa do correio não se deixava fugir de vista. Ninguém escrevia ao Coronel, era ousado ao despedir-se assim da filha dele, mas covarde não faria diferente. Como a passagem do tempo podia moldar outras pessoas, mal reconhecia a mulher que fizera. Seus brilhos eram falsos, e buscando repouso do alto que uma folhinha deitou em sua perna. Pequena manifestação de delicadeza que o assustava de mistério.
Isadora costumava sempre se vestir bem. O cabelo preso num coque representava bem a personalidade resguardada. Escondia-se no funda da caixinha de música francesa, presente da avó, e ali dançava regida por Edit Piaf. Por vezes culpava o velho Coronel de joga-lo tão fundo, outras a si mesmo. Num tapa no ar, a pequena hóspede voou de seu joelho na coreografia circular que a levou até ali.
Levantou aflito, passou o café e não atendeu o telefone gritar desesperado, nem as batidas que ouviu na porta. Pouco importavam quem fosse, e a flor em tons pastéis da xícara se enrubescia de fazer parte daquilo. Isadora caiu como caiu a folha do joelho, que diferente dela, permaneceu na sombra do quintal ainda por uns dias.
Foto retirada de http://www.flickr.com/photos/seveneleven/309373859/
Saturday, December 23, 2006
Friday, December 22, 2006
De Tito a Brunnen.
O espetáculo corria bem. Do estilo New Orleans, permeado por todas as vertentes que o fizeram desde o blues no seu lado coral do sofrimento dos negros americanos, aquele jazz emoldurava um fim de ano atípico, mas nem por isso menos prazeroso. A companhia saia há poucos meses do fundo da gaveta das pessoas que passam pela vida e ganhara status de melhores acontecimentos dos últimos tempos. Intrigado, passou a admirar os momentos em que lhe passava a garrafa d'água, onde os dedos por mais que inocentes se tocavam. Logo virou brincadeira, onde polegares, indicadores e dedões se enfrentavam vigiados de perto por olhos atentos. O braço tomou o contorno do pescoço dela e o beijo pareceu tímido, como tantos outros seriam aquela noite, e foi reconhecido por aplausos que como eles tinham esquecido do pequeno clarinetista Tito.
O quinteto de Tito deixou seus pontos. Na cerveja de depois os assuntos foram muitos, e distantes deles reestruturaram seus amores. O chopp escuro foi a saidera, e o brinco que caiu virou suvenir passageiro. Despediu-se e agradeceu a carona ao sair do fusca verde abacate, imponente como só, vestiu o terno e acendeu um cigarro. Quantas cervejas ainda não seriam tomadas em memória.
Sunday, December 17, 2006
E.. se foi.
No caminho escreveu-lhe uma carta. Dizia ali tudo que nunca disse, de forma que nunca disse. O percurso sempre vazio estava cheio, domingo de manhã. Os vintes minutos tardaram a passar, cada estação do metro parecia uma cidade diferente. Prometera uma ligação à ela logo cedo para um boa viagem, mas decidiu por aparecer lá e fazer-lhe surpresa. Chegou afoito, e percorreu toda a rodoviária, quem sabe ela já não estaria por lá. Resolveu então ligar, e a voz que atendia dizia sempre a mesma coisa de após o sinal. Sentou encostado na parede em frente as companhias que vendem bilhetes de ônibus que vão ao Rio de Janeiro quando o sol só tocava a ponta dos seus pés e acendeu um cigarro. Quando levantou o sol já cobria toda a parede, o ponteiro menor do relógio já passava das 11 e as bitucas dos vinte cigarros do maço lotavam os 3 copos de café. E nada dela.
Saturday, December 16, 2006
E se sesse.
Podia ter ligado antes, mas passou o dia na rede branca pendurada no estreito quintal. Passava as mãos pelas franjas bordadas da rede a confabular a ligação. Pensou cada respiro, cada pausa, cada tom de pronuncia. O sol se foi atrás do prédio, e então percebeu a luz da cozinha que tinha deixado acessa desenhar reflexos no muro do quintal ao passar pelo vidro da janela. Já era tarde, mas admirou o telefone um bocado, era ele quem lhe traria a voz dela.
Quando um Oi acabou com ligeiros e agoniantes toques, caiu por terra toda uma tarde. A tenda de circo havia furado, e a chuva que entrou não deixou nem vigorar uma semente que serviria de história. Em segundos iria embora, e só voltaria para ir embora de novo, nem sabe quando volta. A pretenção era chegar por volta das sete matutinas na rodoviária. Despediu-se rápida com um beijo doce.
Voltou para a rede, e fez dela um casulo. O cigarro que acendeu virou cinza inteiro, o café esfriou, o disco terminou e ninguém foi lá pra vigorar a vez do lado b. As nuvens prateadas o convidaram, dançaram devagar e ele não se moveu. Num ímpeto, encheu a cara de coragem, pulou da rede e se vestiu as pressas. Desceu as escadas rapidamente e no caminho apanhou a flor do solitário vaso de porcelana da pequena mesa de centro da sala. A rodoviária ficava apenas a vinte minutos dali.
Thursday, December 14, 2006
Coisas boas.
Wednesday, December 13, 2006
Orfão de chaleira.
Se contassem todas as folhas de hortelã que passaram por aquele filtro dentro dela só nos ultimos anos, forrariam-se dois travesseiros. Era o ritual bobo de sempre: colocava as folhas de hortelã (as mais graúdas) que pegava no jardim de casa, enchia de água até a metade e acendia o fogo, com o cuidado de levantar a alça pra que não esquentasse. Não tardaria até que pelo bico terminado em chanfro subisse o vapor avisando que o chá está pronto. Pelo mesmo bico desceria então, mas as folhas ficariam presas dentro do filtro, colocado antes da tampa. Encheria a caneca vermelha até dois dedos da borda, e uma colher de açucar seria o suficiente. A chuva ou o sol dariam o tom do cenário, e na janela seria apreciado o chá. Voltaria então a cozinha e lavaria a pequena chaleira, mais velha do que meus vinte anos, que já estava fria, e guardaria no canto esquerdo inferior do armário.
Até o dia em que o armário foi arrumado, e quem o fez julgou que aquela chaleira pequena e amassada merecia o lixo. Foi a última vez que soube dela.
Até o dia em que o armário foi arrumado, e quem o fez julgou que aquela chaleira pequena e amassada merecia o lixo. Foi a última vez que soube dela.
Monday, December 11, 2006
Como antigamente.
Em meio as pastilhas brancas adornam janelas vermelho tijolo, ela fumaria um cigarro confundindo a fumaça com as nuvens em volta da lua, branca. Pensaria algo distante, além do desenho daquela noite e dos prédios que limitam sua visão. A água gelada ameniza a noite quente paulista, e do nono andar, uma das poucas luzes acessas no prédio, ecoa no vento uma bonita cantiga antiga. Olha de repente pra baixo, e o vê ali no seu passo tranqüilo carregar uma flor. Os olhares não tardam a se encontrar e virar sorrisos, e enquanto o elevador vira uma eternidade, a rua toda a espera ansiosa, sem se mover.
O tempo de ontem e o tempo de hoje.
O sol floresce em mais um dia de verão, e seus primeiros raios são o suficiente pra fazer levantar o homem, já acordado. Tem de se apressar e ir pra lavoura, existe muito trabalho por lá. O tempo passa rápido quando se trabalha, e o sol já está a pino. Hora de descansar e almoçar sob a sombra de uma árvore enquanto espera o calor se tornar mais ameno. Os dias são longos no verão, e tarda até o sol começar a se por. O homem volta pra sua casa e pouco tempo depois se põe a dormir.
A percepção do tempo do homem da realidade acima sofreu grandes transformações com a revolução industrial. Se chovesse no seu dia ele não sairia de casa para a lavoura enquanto ela não cessasse, e se a estação do ano fosse outra, como a primavera, quem sabe só ficaria na varanda de sua casa esperando a colheita. A revolução industrial fez com que os vínculos do homem com o trabalho fossem profundamente alterados, a começar pelo fato de agora o trabalhador ser uma mercadoria; onde antes se contratava um homem como um todo, pelo período de 1 ano por exemplo, agora contrata-se por horas a serem cumpridas, dividindo o tempo entre hora de lazer e hora de trabalho. O trabalho, que cada vez mais fazia o homem se relacionar com a natureza, agora passa a ser o principal fator que o distancia dela. Por isso a grande necessidade das horas de descanso. Os trabalhadores conquistaram ao longo da história diversos direitos trabalhistas, com vista em tornar suas horas de trabalho mais produtivas e aproveitar melhor suas horas de lazer.
O sol que pauta o homem pós-industrial é o relógio, onde cria unidades de tempo cada vez menores. Dividiu-se o dia em 24 horas (que condizem com a posição do sol para cada país, onde origina-se os fuso-horários), cada uma com 60 minutos, divididos, por sua vez, em 60 segundos cada. Cada homem forma seu dia agora diante a sua realidade de trabalho, se acorda as três da manhã para trabalhar e volta as duas da tarde, ou sai as três da tarde e volta as duas da manhã.
O lazer do homem pós-industrial não tardou a virar mercadoria. Dividi-se o tempo livre, para que possa ser útil também, e cada vez mais ele é ocupado com produtos midiáticos, que podem ser consumidos a qualquer momento. O tempo natural já não influi em muitas coisas, pode-se trabalhar ou se divertir a qualquer hora do dia, independente de chuva, sol ou não, frio e noite, com adventos com a internet. Vive-se dizendo por ai que não se tem tempo pra nada, e essa é uma das máximas vigentes da sociedade contemporânea. Se reclama da falta de falta de tempo, mas as horas livres são pautadas por programas de televisão, cinemas e bares. Cada vez mais o homem moderno se isola do outro, através de mediações como celulares e computadores, em vez de encontra-lo pessoalmente. Esse enfraquecimento das relações interpessoais vem da necessidade do homem de acompanhar a evolução de novos mídias, que evoluem com rapidez extraordinária: mal se acaba de comprar o computador mais avançado e o tempo de transporta-lo até a sua casa já foi o suficiente para que outro computador ainda mais moderno fosse lançado.
A percepção do tempo do homem da realidade acima sofreu grandes transformações com a revolução industrial. Se chovesse no seu dia ele não sairia de casa para a lavoura enquanto ela não cessasse, e se a estação do ano fosse outra, como a primavera, quem sabe só ficaria na varanda de sua casa esperando a colheita. A revolução industrial fez com que os vínculos do homem com o trabalho fossem profundamente alterados, a começar pelo fato de agora o trabalhador ser uma mercadoria; onde antes se contratava um homem como um todo, pelo período de 1 ano por exemplo, agora contrata-se por horas a serem cumpridas, dividindo o tempo entre hora de lazer e hora de trabalho. O trabalho, que cada vez mais fazia o homem se relacionar com a natureza, agora passa a ser o principal fator que o distancia dela. Por isso a grande necessidade das horas de descanso. Os trabalhadores conquistaram ao longo da história diversos direitos trabalhistas, com vista em tornar suas horas de trabalho mais produtivas e aproveitar melhor suas horas de lazer.
O sol que pauta o homem pós-industrial é o relógio, onde cria unidades de tempo cada vez menores. Dividiu-se o dia em 24 horas (que condizem com a posição do sol para cada país, onde origina-se os fuso-horários), cada uma com 60 minutos, divididos, por sua vez, em 60 segundos cada. Cada homem forma seu dia agora diante a sua realidade de trabalho, se acorda as três da manhã para trabalhar e volta as duas da tarde, ou sai as três da tarde e volta as duas da manhã.
O lazer do homem pós-industrial não tardou a virar mercadoria. Dividi-se o tempo livre, para que possa ser útil também, e cada vez mais ele é ocupado com produtos midiáticos, que podem ser consumidos a qualquer momento. O tempo natural já não influi em muitas coisas, pode-se trabalhar ou se divertir a qualquer hora do dia, independente de chuva, sol ou não, frio e noite, com adventos com a internet. Vive-se dizendo por ai que não se tem tempo pra nada, e essa é uma das máximas vigentes da sociedade contemporânea. Se reclama da falta de falta de tempo, mas as horas livres são pautadas por programas de televisão, cinemas e bares. Cada vez mais o homem moderno se isola do outro, através de mediações como celulares e computadores, em vez de encontra-lo pessoalmente. Esse enfraquecimento das relações interpessoais vem da necessidade do homem de acompanhar a evolução de novos mídias, que evoluem com rapidez extraordinária: mal se acaba de comprar o computador mais avançado e o tempo de transporta-lo até a sua casa já foi o suficiente para que outro computador ainda mais moderno fosse lançado.
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