Saturday, December 23, 2006

Isadora.

Naquele dia acordou com 70 anos. Talvez a única coisa que deseja-se, um sorriso sincero do mundo ou mesmo do espelho, estivesse tão distante quanto suas rugas. Sentou-se no banco de todas as manhãs, viu as sombras das folhas dançando no chão como costume e pegou um cigarro. Custou a acende-lo; as folhas que desciam de seus galhos o enfeitiçavam. O que teriam de diferente naquele dia?

Em deboche, a caixa do correio não se deixava fugir de vista. Ninguém escrevia ao Coronel, era ousado ao despedir-se assim da filha dele, mas covarde não faria diferente. Como a passagem do tempo podia moldar outras pessoas, mal reconhecia a mulher que fizera. Seus brilhos eram falsos, e buscando repouso do alto que uma folhinha deitou em sua perna. Pequena manifestação de delicadeza que o assustava de mistério.

Isadora costumava sempre se vestir bem. O cabelo preso num coque representava bem a personalidade resguardada. Escondia-se no funda da caixinha de música francesa, presente da avó, e ali dançava regida por Edit Piaf. Por vezes culpava o velho Coronel de joga-lo tão fundo, outras a si mesmo. Num tapa no ar, a pequena hóspede voou de seu joelho na coreografia circular que a levou até ali.

Levantou aflito, passou o café e não atendeu o telefone gritar desesperado, nem as batidas que ouviu na porta. Pouco importavam quem fosse, e a flor em tons pastéis da xícara se enrubescia de fazer parte daquilo. Isadora caiu como caiu a folha do joelho, que diferente dela, permaneceu na sombra do quintal ainda por uns dias.

Foto retirada de http://www.flickr.com/photos/seveneleven/309373859/

1 comment:

Unknown said...

Ela sorriu.
Convidou o moço pra entrar, timidamente, ainda. Era seu costume ser assim. Ela tinha tantos dedos pra segurar suas mãos firmes que esquecia de falar.
Pegou o menino pelas mãos e ao som dos saxofones, ela o conduziu.
E disse: "É o cavalheiro que conduz a dama na dança."
Tomou-a nos braços, como havia de ser.
Florir na madrugada, era o irresistível destino dos dois jovens.