Wednesday, December 13, 2006

Orfão de chaleira.

Se contassem todas as folhas de hortelã que passaram por aquele filtro dentro dela só nos ultimos anos, forrariam-se dois travesseiros. Era o ritual bobo de sempre: colocava as folhas de hortelã (as mais graúdas) que pegava no jardim de casa, enchia de água até a metade e acendia o fogo, com o cuidado de levantar a alça pra que não esquentasse. Não tardaria até que pelo bico terminado em chanfro subisse o vapor avisando que o chá está pronto. Pelo mesmo bico desceria então, mas as folhas ficariam presas dentro do filtro, colocado antes da tampa. Encheria a caneca vermelha até dois dedos da borda, e uma colher de açucar seria o suficiente. A chuva ou o sol dariam o tom do cenário, e na janela seria apreciado o chá. Voltaria então a cozinha e lavaria a pequena chaleira, mais velha do que meus vinte anos, que já estava fria, e guardaria no canto esquerdo inferior do armário.
Até o dia em que o armário foi arrumado, e quem o fez julgou que aquela chaleira pequena e amassada merecia o lixo. Foi a última vez que soube dela.

2 comments:

Fernanda Correia said...

Singelo mas tocante!!
Quantas chaleiras não deixamos pela vida e só realmente percebemos o quão importantes são quando não as temos mais?
Devíamos deixá-las ao menos em um canto de nossas memórias...

Anonymous said...

Pedro e a sua nostalgia hehehe
Como é normal, o velho contraste entre o passado e o futuro, o nosso amor desenfreado e alucinado pelo novo, esquecendo que o velho, o antigo, significa, antes de tudo, tradição.